quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Apple retrógrada

Depois de sair matéria lambendo os bago do Jobs até na Revista Piauí só me resta descontar a irritação por aqui...

Se até Bill Gates, nerd uncool que é, era sempre laudado como grande gênio da tecnologia e empreendedor visionário quando a Microsoft era número1, é óbvio que não seria diferente com Jobs quando a Apple atingiu esse posto. O desgraçado ainda soube morrer no momento certo pra ser mais glorificado ainda.

O estilo "nerd cool" de Jobs, que se gaba por ter usado drogas e visitado a Índia, sempre me lembra de artigo divertido da Vivian Sobchack (escrito décadas atrás, que pode ser lido hoje no Google Books buscando por "New Age Mutant Ninja Hackers"). A sua análise do público da revista Mondoid (espécie de protótipo da Wired) me parece servir muito bem a Jobs:

"(...) resolves New Edge high-technophilia with New Age and "whole earth" naturalism, spiritualism and hedonism. It implicitly resolves the 1960s countercultural "guerilla" political action and social consciousness with a particularly privileged, selfish, consumer-oriented and technologically dependent libertarianism.

(...) romantic, swashbuckling irresponsible individualism that fills the dreams of 'mondoids' who, by day, sit at computers working for (and becoming) corporate America. The Revenge of the Nerds is that they have found ways to figure themselves to the rest of us as sexy, hip and heroic, as New Age Mutant Ninja Hackers.

Além desse 'nerd cool' babaca, Jobs representa o ideal americano do empreendedorismo e sucesso pessoal... que justifica o sucesso pela livre iniciativa e ousadia de um homem, minimizando fatores externos (é incrível como a mídia tem reproduzido esse ideal até nos veículos "alternativos"). Diante disso, é legal destacar trecho de coluna do Vinicius Mota na FSP, que lembra como as circunstâncias históricas são determinantes nos negócios e como é tolo esse endeseuamento de Jobs. Ele lembra como o Jobs é um cara limitado, de discursos bregas e cheio de senso comum tosco de manual de auto-ajuda: "siga o seu coração", "encara cada dia ocmo se fosse o último". E chama atenção para o seguinte:

"O jornalista americano Malcolm Gladwell, em seu livro "Outliers", nota que a revolução dos computadores pessoais foi liderada por empreendedores nascidos com poucos meses de diferença. Jobs, Bill Gates (Microsoft) e Eric Schmidt (Google) são de 1955. Steve Ballmer, sucessor de Gates, do início de 1956, e Bill Joy (Sun Microsystems), do final de 1954.

Uma janela de oportunidades gigantesca e efêmera se abriu a jovens americanos que, imersos na informática, entravam na sua terceira década de vida por volta de 1975. Foi esse o ano do primeiro computador pessoal a preço acessível."

Se Steve Jobs tivesse nascido uns meses mais tarde ou mais cedo, em outro lugar, ninguém saberia o nome dele.

A mídia sempre exalta o ipod como uma grande inovação porque jornalista não entende nada de tecnologia. A primeira vez que ouviram falar em Apple deve ter sido quando viram uma maçã colada no carro do vizinho ou no PC do designer mala que trabalha no cubículo ao lado.

Que grande "visão" e "revolução" há por trás de comercializar um produto cuja demanda era extremamente óbvia há vários anos e que inclusive já existia no mercado, com menos limitações e um preço melhor?

Eu tinha um tocador de mp3 em 1998, três anos antes de sair o ipod. Ele funcionava como um pen-drive, sem um sistema pra dificultar a transmissão de dados vinculado a um software gay (itunes) que as pessoas só acham útil e "user-friendly" porque foram obrigadas a usá-lo (e a propaganda lhes deu argumentos toscos pra justificar o preço alto que pagaram). Essa limitação, esse tolhimento da liberdade do usuário, é parte do motivo de seu sucesso e de porque há pessoas que consideram a Apple um atraso ao invés da revolução/avanço que quase toda a mídia proclama.

O artigo do biógrafo de Jobs que saiu na FSP diz que a Apple foi genial por se adiantar em relação a Sony, que é tradicionalmente quem lida com tecnologia de música e tocador portátil.
Mas a Sony, também uma gravadora, tinha motivos de sobra pra se opor a essa tecnologia. Ela provavelmente cutucava a RIAA junto com as outras gigantes do setor pra coibir a comercialização de tocadores de mp3. As grandes corporações estão mais interessadas em manter o status quo e frear inovações, porque estas podem afetar os lucros já garantidos delas.

Sobre o MPman, primeiro tocador de mp3 que tive: The RIAA's Associate Director of Anti-Copyright infringement initially said the MPMan had "no function other than playing material that was stolen from record companies." (wikipedia)

Sobre outro tocador de mp3 anterior ao ipod, chamado Rio PMP: On October 8, 1998, the American recording industry group, the Recording Industry Association of America, filed an application for a Temporary Restraining Order to prevent the sale of the Rio player in the Central District Court of California, claiming the player violated the 1992 Audio Home Recording Act. (wikipedia)

Mesmo o aparelho sendo liberado pra consumo, com atraso, isso é indicativo do tipo de pressão e da dificuldade que empresas (essas sim inovadoras) enfrentaram para atrair investimentos e produzir e distribuir esses aparelhos.

É lógico que a demanda e a evolução tecnologia ia eventualmente empurrar tocadores de mp3 pro grande público, e que isso seria feito por uma empresa com moral pra atrair investimento e distribuir e principalmente marketar o produto numa escala muito maior.

É lógico que isso não seria feito por uma Sony da vida, por causa de suas ligações com mídias tradicionais e seu lado de gravadora que odeia pirataria (enfim seus negócios em geral).

Haviam poucas empresas de onde poderia sair essa "revolução", e veio daquela que conseguiu mascarar melhor um sistema "anti-pirataria" - algo que vai contra todo o espírito da evolução tecnológica, internet, mp3... contra o espírito da "livre circulação" de informação, contra a forma que as novas gerações lidam com música desde o Napster.

Ou seja, algo retrógrado, o oposto de ousadia, revolução etc. A visão da Apple foi a covardia de não enfrentar de cara a RIAA, de evitar um confronto mais violento (e hoje, cada vez mais necessário) com a paranóia e ódio contra a pirataria e a idéia de copyright americana.
E as pessoas saem consumindo mais maçãs ao invés de alternativas melhores e mais baratas.

A respeito da ilusão dos produtos da Apple serem melhores, já que há alternativas com as mesmas especificações e preço muito melhor, a justificativa encontrada foi o coitado do "design", esse aspecto mais subjetivo de um produto.
As pessoas no geral se referem ao design num sentido mais raso, que se refere apenas à apreciação estética e usabilidade. O comum é justificar a compra mais cara dizendo que a diferença de custo se dá pela beleza e interface do produto Apple. E aí é de se estranhar, por exemplo, ver um monte de metaleiro e nerd que nunca se identificaram com a cor branca ou formas arredondas na vida, andando por aí de ipod. E de gente que usa aparelhos muito mais complexos, que compram televisões interativas com controles de mil botões e GPSs malucos pro carro e celulares com mil funções, subitamente valorizando um aparelho pelo fato de ter menos botões.

O sucesso de design da Apple não tem nada a ver com buniteza ou usabilidade, e sim porque virou moda e símbolo de status. E isso acontece porque vem da empresa maior e que tem mais grana, que pode investir mais em marketing e presenteia adesivos com seus produtos, que tem como líder a figura de um New Age Ninja Hacker. Não porque é mais ousada e visionária ou contratou os melhores artistas. Ou seja, Apple.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Problemas no Edital Catarinense de Cinema

O Prêmio Cinemateca é a principal esperança para cineastas locais financiarem seus filmes, visto que o proponente deve ser pessoa física e residir em Santa Catarina. Na edição 2010, lançada em Abril de 2011, há quatro categorias e a verba totaliza R$ 1,9 milhão.

Acredito que favorecimento político e corrupção não sejam problemas neste edital, e que os envolvidos tanto em sua concepção quanto execução são pessoas honestas. O problema são os sérios equívocos na documentação do edital e a invalidação de projetos legítimos devido à rigidez no processo de habilitação das inscrições, insensível às fragilidades do próprio edital.

O Prêmio se apresenta como um conjunto independente de documentos específicos a cada categoria, mas os editais parecem ser fruto da conversão pouco cuidadosa de um único documento. Isto fica evidente diante dos casos de omissão e troca de informações entre os editais. Por exemplo, o edital de Pesquisa e Desenvolvimento de Projeto de Longa-metragem apresenta uma listagem equivocada dos itens que compreendem o trabalho a ser entregue: a informação pertence a outras categorias.

Outro exemplo: o Edital de Vídeo não faz nenhuma referência direta a documentários, além de exigir uma estrutura típica aos projetos de ficção e se referir à animação. É necessário inferir que documentários podem ser realizados (e dentro de possibilidades diferentes de duração) somente a partir de outro documento, o do edital de Curta-Metragem.

Há também informações importantes que não constam em nenhum documento, como a do projeto gráfico. Na primeira vez que participei do edital, em minha ingenuidade, fiquei com receio de usar qualquer recurso que pudesse ser interpretado como um sinal secreto da minha identidade. Afinal, de acordo com o edital, o projeto não pode "conter quaisquer informações ou detalhes que identifiquem o proponente ou qualquer integrante da equipe". Porém, ao ter acesso aos projetos ganhadores, vi que contavam com projetos gráficos elaborados, altamente personalizados. Permitir isto, sem destacar a possibilidade, coloca candidatos em séria desvantagem.

Muitos projetos não passam da chamada fase de "habilitação" por problemas na inscrição. Há o caso de projetos recusados apenas por que usaram a ficha errada. As fichas pedem exatamente as mesmas informações (nome, título, endereço, CPF, e-mail) na mesma ordem. Por que existe uma ficha para cada categoria é um mistério. A única diferença é que onde numa está escrito "vídeo", na outra está "curta-metragem". Como o título da categoria não é um campo para preencher ou assinalar, mas algo que já vem impresso na ficha, o erro passa facilmente despercebido. Foi o caso do meu projeto, Dona Joaquina, concebido originalmente para este edital mas barrado de participar. O mesmo projeto foi contemplado recentemente no edital do Funcine, o que atesta a sua seriedade.

Um projeto não foi habilitado porque a autora escreveu "Edital da Cinemateca Catarinense" onde deveria escrever "Edital Catarinense de Cinema 2010" – forma esta que não aparece na página oficial dos próprios editais. O erro na capa não pode ser atribuído à desatenção ou desleixo da proponente, mas à sua insegurança diante da documentação do edital, cujos erros de redação minam sua credibilidade. Ela preferiu elaborar uma capa que contava inclusive com identificações adicionais, como "Prêmio Cinemateca Catarinense" e "Fundação Catarinense de Cultura", os títulos mais recorrentes no material do edital. A organização não aceitou o pedido para entregar as capas corrigidas, algo questionável para um edital que, para muitos, parece não saber direito como ele próprio se chama e nem em que ano está.

Acerca dos e-mails sobre problemas de habilitação, algumas pessoas receberam notificações e outras não. Entre as que receberam, soube de duas as quais o e-mail mencionava um projeto que não era da pessoa. Outro amigo foi três vezes ao CIC, frustrado pela dificuldade de obter informações, e cada vez voltou com um número de telefone diferente. A COA recebe R$50.000 para organizar o edital.

A responsabilidade por alguns equívocos na inscrição deve ser assumida pela organização, diante dos problemas em seu edital. É necessário reconhecer as deficiências internas e realizar um processo de habilitação compatível com elas. No edital da cinemateca, persiste o pior dos mundos: o amadorismo da estrutura e do material do edital aliado a um pedantismo burocrático típico de intransigentes superestruturas. Assim fica difícil fazer cinema aqui...


ADENDO: O resultado do concurso saiu ontem, dia 12 de Setembro: três meses de atraso em relação ao que estava escrito no edital (lembrando que o lançamento deste não saiu nem no ano que deveria, ou seja os esforços para obedecer o prazo da premiação deveriam ser redobrados). Chega de culpar a escassez de recursos ou o governo. A COA e a Cinemateca Catarinense também devem ser responsabilizadas e cobradas.

Na premiação, o atual presidente da Cinemateca Catarinense, Iur Gomez, teve seu projeto contemplado. Ou seja, ele teve que se “auto-cumprimentar”, pois estava na mesa e era responsável por entregar os prêmios. Isto evidentemente gerou algum constrangimento, e a outra autoridade presente se sentiu obigada a explicar que Iur não sabia dos ganhadores. A possibilidade do presidente participar do edital me parece eticamente questionável, mesmo que ele não participe das atribuições do comitê que organiza o processo do edital. Afinal, ele é quem define três dos nomes que compõe o COA.

Penna Filho foi novamente contemplado na categoria Longa Metragem. Teremos outro Doce de Cocô?

Reitero que não acho que haja corrupção ou cartas marcadas. Mas acredito que há um grupo meio fechado de realizadores, já bem estabelecidos no meio cinematográfico local, que acabam se favorecendo indiretamente por afinidade cultural associada às posições que ocupam. Uma questão de forma de pensar, geração, referências, etc.

Por exemplo, se eu fosse montar um edital com colegas da UFSC, que estudaram as mesmas coisas e frequentam os mesmos ambientes, é óbvio que um projeto deste círculo de pessoas teria grandes vantagens considerando a natureza subjetiva desse tipo de processo seletivo. Afinal, há uma grande identificação entre nós em relação a temas, questões estéticas, preocupações, etc. Sinceramente, ao ver a foto e o vídeo dos jurados, fiquei com a sensação de que eles pertencem ao mesmo universo de nomes como Penna Filho e Iur Gomez.

Por isso a questão da composição do júri me parece algo extremamente delicado que precisa ser mais discutido e estudado. Já é muito positivo o júri ser composto por gente de fora e incluir nomes expressivos, como Sílvio Tendler, mas continuo participando do edital sem muita animação ou esperança.